segunda-feira, 5 de outubro de 2009

"Eu sou cada vez mais eu mesmo" - Entrevista do Herbert ao O Globo


Herbert Vianna em entrevista sobre documentário que retrata sua trajetória

Especial para O Globo - 04/10/2009 às 14h45m - Luciana Pessanha

RIO - Herbert Vianna é ídolo do pop brasileiro desde os anos 80. Em fevereiro de 2001, um acidente de ultraleve fez parecer que sua carreira seria interrompida. Que nada! Em julho de 2002 adentrou de surpresa o palco do parceiro Fito Paez e, em novembro do mesmo ano, já estava fazendo shows com os Paralamas do Sucesso. Herbert continua cheio de entusiasmo pela música, pela família, pelos amigos e pelo Flamengo - ele começou a entrevista cantando um hino da torcida que compôs recentemente. Nos encontramos para falar do documentário "Herbert de perto", produzido pela TV Zero, dirigido pelo amigo de longa data Roberto Berliner e co-dirigido por Pedro Bronz, com estreia na próxima quinta-feira. Depois de passar a morte para trás, ele, agora, com sofisticação ímpar, encara de frente os lapsos de memória e percebe, no olhar do interlocutor, quando voltou a um assunto já abordado. Mais uma façanha deste cabra macho da Paraíba que há 27 anos deixa todo mundo de queixo caído.


Sua parceria musical com o Hermano vem da infância?
Da adolescência. Ele fazia campanha com nosso pai: "Vamos comprar uma caixa maior, amplificador, tape deck?" Exalava cultura através da naturalidade com que buscava informações. Lutava para conseguir discos, fazia esforço para vir ao Rio por causa da Modern Sound e da Bilboard e trazia à tona cada coisa! Me apresentou o trabalho do Television. Meus dedilhados de guitarra têm muito da sonoridade e da técnica do Tom Verlaine (guitarrista da banda).

O que faz a amizade entre os Paralamas durar tanto?
Não há nenhum tipo de artificialidade na convivência. Cada um faz o que quer, e a gente busca tempo para estar junto. Temos um código de espaço e respeito.

No filme, o Hermano diz que você amadureceu em público. Fala-se muito do que existe de ruim na exposição. Há algo de bom?
O fundamental é ter um sonho de vida, uma coisa para a qual não haveria uma carreira, e conseguir transformar em realidade. Nunca cultuamos a superexposição. Sempre temos porta aberta, ouvido e paciência para quem nos procura, com toda a calma, preservando nosso espaço, nossos filhos, o silêncio e o respeito. Nunca ocorreram níveis de assédio estelar com a gente.

Em que momento depois do acidente você se deu conta de que se recuperaria?
Não tenho lembrança clara de quando comecei a me comunicar de novo. Tenho o flash do momento em que virei para o Hermano e disse: "Se você acha que estou muito distante de mim mesmo, vou te mostrar uma coisa que você me mostrou há muito tempo." E toquei, nota por nota, o solo de "Stairway to heaven", do Led Zeppelin.

Já conseguiu estabelecer uma ponte total com o Herbert de antes do acidente?
Eu sou cada vez mais eu mesmo.

Você virou ativista contra lugares onde não há acesso a pessoas com deficiência?
Me sinto ofendendo ou esbanjando porque tenho facilidades profissionais. Com a banda, nas viagens, uma equipe cria uma rampa para todos os palcos. No meu lugar há sempre uma elevação, para que possa olhar meus companheiros não de baixo para cima, mas nos olhos, como sempre olhei. Em termos particulares, há sempre um enfermeiro comigo. Fiz uma canção que é uma crônica das dificuldades de agora: "Você aí em pé não deve saber como é o mundo aos olhos de quem sofre ao se mover. Vou seguindo na luta com problemas normais. Olhando pra lá e pra cá na indecisão. Andando atrás de alguém a quem não deixo em paz. Olhando para o céu com muita dor no coração..." Quis mostrar o quanto cada centímetro pode representar, para uma pessoa com dificuldades e danos, uma verdadeira Muralha da China.

O que mudou no seu processo de composição depois do acidente?
Nada. Continuo muito fiel aos meus vômitos emocionais, gritos de socorro, de guerra, de reprovação, e aos meus sonhos.

No filme, vemos você assistir a imagens da sua vida toda, numa TV, em um único dia. Qual foi a sensação?
De repente, tudo fez sentido. Aquilo colocou um ponto de exclamação nos meus impulsos de manifestação de carinho e amizade. Com muita frequência, agora, faço declarações de amor. O que a equipe dos Paralamas tem de torpedos mandados por mim daria um livro mais grosso que a Bíblia.

"Herbert de perto" apresentou você para você ou foi um reconhecimento?
Um reconhecimento. Não imagino quantos anos de terapia teria que fazer para ter aquele liquidificador emocional que o filme me causou.

Existe algum projeto na sua manga?
Estou pensando em juntar composições que escrevi e nunca gravei. Canções que mostrava para o Bi e o João no ensaio e eles diziam: "Tá muito romântico, dá pra uma cantora dessas que cante bem e tenha uma coisa mais orquestral. Isso não é a nossa cara."

O que não se apagou da lembrança e nem vai se apagar?
Na primeira gravidez, a Lucy me perguntou se a barriga ia criar um afastamento na nossa relação. Na mesma noite, fiz uma música respondendo: "Não quero nada que não venha de nós dois." Fomos para a Inglaterra. Um dia, ela me acordou porque a bolsa tinha rompido. Ficamos juntos fazendo os exercícios. Quando a médica chegou, o Luca já estava na minha mão. Foi uma experiência muito intensa, luminosa e elevada. Agora estou com os olhos arregalados para a explosão adolescente da minha filha do meio. Ela é um vulcão em erupção desde muito pequena, e sua sensibilidade está surreal.

'HERBERT DE PERTO' - Seg (05.10), Cine Odeon: 19h15m; Ter (06.10), Estação Vivo 05: 15h20m, 21h50m; Qua (07.10), Roxy 3: 14h,19h; Quin (08.10), Leblon 1: 14h,19h

Um abraço,

Lua

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