domingo, 27 de setembro de 2009

Duas guitarras, um Brasil: Herbert e Mestre Vieira

Diário do Pará - 27SEP2009 - Duas guitarras, um Brasil: Herbert e Mestre Vieira

“Então toca um pouquinho para mim para mostrar um pouco desse som”. Essa foi uma espécie de senha para que o velhinho de 75 anos pegasse a guitarra e começasse a mostrar os sons que encantaram ingleses, alemães, italianos, escoceses, portugueses e paraenses. Mestre Vieira começou devagar, mostrando a levada que o consagrou como o ‘inventor’ da guitarrada. À sua frente, Herbert Vianna, o guitarrista dos Paralamas do Sucesso, observa, embevecido, fazendo a marcação com palmas. Não demora muito e Herbert também procura uma guitarra. Começa a dedilhar aos poucos, tentando acompanhar Vieira. Era o início de um histórico encontro de dois guitarristas aclamados em seus estilos e que têm em comum o amor incondicional pela música.

Herbert começa a tocar Alagados, a música que em 1986 abriu as portas do Brasil para os roqueiros brasileiros. Vieira sorri. Conhece a música e passa a acompanhá-la com solos peculiares. Herbert Vianna retribui o sorriso. Em pé, da porta do estúdio, o baixista dos Paralamas Bi Ribeiro acompanha o encontro.

Durante cerca de uma hora Herbert Vianna e Mestre Vieira trocaram informações, impressões e musicalidade. Brincaram com os instrumentos, mostraram novas e velhas músicas. Compartilharam solos. A ideia partiu da jornalista Luciana Medeiros, que prepara um documentário sobre Vieira. “Foram duas semanas planejando esse encontro, mas está valendo muito”, diz ela.

O DIÁRIO teve acesso com exclusividade a esse encontro dos dois mestres da guitarra -feito em segredo, horas antes do show dos Paralamas na última sexta em Belém. E testemunhou um pequeno show, com direito a músicas de Lulu Santos, RPM, Legião Urbana e, claro, Paralamas e Mestre Vieira.

Herbert mostra a Vieira uma música do disco novo. “Tem uma levada que é muito influenciada por esse estilo de guitarra”, diz. Depois toca “Como uma Onda”, de Lulu Santos. Vieira sola. Depois, mostra a Herbert a clássica “Jamaicana”, uma das pedidas de seu repertório. Herbert faz a base da guitarra. “O importante é valorizar o solo de guitarra”, diz Vieira. E mostra “Maravilha”, outra música. Herbert pede para ele repeti-la. Cria um novo solo de guitarra na hora.

Foi um encontro repleto de emoção. Vieira chegou cedo, vindo de Barcarena. Almoçou em Belém e foi levado ao estúdio Academia de Música e Tecnologia. Conta histórias de quando começou a tocar, ainda menino. “Com 13 anos eu fazia a festa sozinho”, diz. Na Escócia foi coroado melhor guitarrista do mundo. “Já toquei choro, samba, tudo”, resume.

DOCUMENTÁRIO

A produção do documentário organiza tudo para que a entrada de Herbert seja facilitada. Quinze metros de compensado são comprados para evitar que a cadeira sacoleje no corredor lateral da academia. Às 17 horas, Herbert chega. É recebido por Vieira. “Salve mestre”, cumprimenta. Vieira aperta a mão do colega músico e lhe deseja boas vindas. Entram no estúdio. Ali, acompanhados apenas por dois cinegrafistas, pela equipe do DIÁRIO, pela diretora do documentário e pelo técnico de som, iniciam um passeio musical inesquecível.

Antes, Vieira conta um pouco de Barcarena, da travessia de barco. Fala de sua trajetória e de sua música. Herbert explica como gosta de tocar a guitarra. Vieira diz que não usa pedais de efeitos. “Minha guitarra é viva”, afirma. “Então toca um pouquinho”, responde Herbert.

A cada música um sorriso, um comentário. Um tenta seguir a ideia do outro. Um complementa a levada do outro. Ao redor, um silêncio completo, cercado por olhares de cumplicidade e emoção das testemunhas. Herbert toca Bundalelê, do disco Bora Bora, de 1987. Nessa música estão inseridos os elementos que mostram a influência que a levada africana e caribenha tem sobre os Paralamas do Sucesso.

Vieira diz que tocou com Renato, querendo dizer Renato e seus Blue Caps. Herbert entende como se fosse Renato Russo, o vocalista da Legião Urbana. E toca “Que País É Esse”, do repertório da banda brasiliense. É quando Vieira usa e abusa de um solo que impressiona profundamente Herbert Vianna. A música se estende num improviso único. Ao final, o cumprimento respeitoso de dois músicos que, durante uma hora, mostraram o poder da música. “Se até as pedras se encontram, a gente também vai acabar se encontrando”, diz Vieira. Herbert confirma. “Foi um encontro para a história”, resume Kim Azevedo, o dono do estúdio ao olhar para o computador onde as improvisações dos músicos ficaram gravadas. “Para mim foi uma maravilha”, diz

Vieira. “É como fazem os músicos africanos. Deixa rolar e viajar nas ondas sonoras”, filosofa Herbert.

Algumas horas mais tarde o líder dos Paralamas estava num palco maior, ao lado dos companheiros e da banda Titãs. Mas o show que certamente ficou na memória dos que puderam presenciar, foi feito ali, num pequeno estúdio com apenas dois músicos e seus instrumentos.

Fotos: Thiago Araújo